quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Móbile

                                                            Na raiz de todo movimento está a contradição. Sou um móbile vivendo a grandeza metafísica de uma mutação por minuto. Cada partida encerra um fim em si mesmo até quando da fartura sobra só o interminável segundo de um instante.   
    De inúmeras inadequações vive o poeta. Da tarde que não despede a saudade, da coragem que falta quando seus olhos me vêem, da palavra que não obedece ao sentimento que a originou, da dor que nem de longe corresponde ao peso da vida que me leva. 
    O resumo é apenas um recorte imperfeito da obra que desisti de escrever e, tantas vezes, reinventei após renascer. Envelheci nas páginas que aceitavam as confidências que os medos de criança não deixaram contar e contei segredos à boca miúda enquanto os ouvidos se distraíam vendo os versos rimando uns com os outros á espera do poema ficar pronto. Diversas vezes até escorreguei nas duras regras gramaticais do amor a ponto de me esquecer de conjugar o nome que faltava para complementar os meus modestos predicados.
     Agora, só resta publicar um manifesto para exigir o legítimo direito do ressarcimento do tempo que eu perdi ouvindo trezentas vezes a mesma música, voltando para casa sempre pelo mesmo caminho, contando os dias incalculáveis do calendário e ensaiando frases menos clichê.
     Mesmo que eu continue tão comum como antes. Mesmo que a poesia não amenize. Mesmo que setembro não traga tantas primaveras assim. Mesmo que o ponto final ainda seja tão reticente como agora...

domingo, 12 de setembro de 2010

Enquanto o sono não vem

     A madrugada está longe de ser uma confidente confiável. O grão do sono desfaz segredos como a última gota de um cansaço de dias que nem na agenda constam mais. Um comentário, uma tentativa de desenho, um verso triste ainda pela metade e o pragmatismo de uma página inteira em branco.
     Sono esparso, sargaço em mares para uma viajante pouco satisfeita com os rumos dos últimos ventos. O barulho do relógio soa como uma sentença de que o tempo passa, sem passar por mim. Só deixa de modo imperdoável suas marcas, suas lascas e até algumas de suas farpas. Algumas doem, outras nem tanto, tantas que até desaprendi a esquecer.
     Acostumei-me à pergunta; ao olhar dos parecem sozinhos; aos inadequados, à cadeira de balanço, que de movimentos tão monótonos, mais parece uma metáfora ainda por terminar.
     Só sei que setembro ainda não cabe em mim, nem mesmo se tivesse 31 dias. Nem mesmo minha idade me cabe. Talvez tenha mais de quarenta, tamanha incongruência. Pareço mais com a cara melancólica do outono que dessa charmosa primavera. Das praças na hora do entardecer que dos jardins em manhãs ensolaradas. Levo mais jeito para os sonetos que para a rima livre. Sou mais do chorinho, do cafezinho amargo, do caderninho de anotações que se julgam poéticas pelo simples fato de escancararem pequenas sinceridades.
     Só peço que a última idéia que sair, apague, por gentileza, a derradeira luz ainda acesa. Já é tarde...