terça-feira, 25 de setembro de 2012

Concluídos 27%


     Comemoro hoje meu vigésimo sétimo aniversário. Ou seria meu quadragésimo? Tudo depende de quanto tempo deixei de viver nos últimos anos. O que posso afirmar sinceramente é que a minha idade nunca combinou comigo. Acho até que já nasci com certidão de velhice e que minha alma veio lá dos anos 70 (Sabe, uma espécie de "Velha e Louca" como diz uma doce canção por aí?!).

     Escolhi a roupa, tomei banho, sequei o cabelo e retoquei as olheiras. Acho até que essas nem Deus consegue mais dar jeito. Separei também para usar aquele colar com conchas que o mar da saudade um dia me trouxe. Começo o dia respondendo com voz firme ao chamado da vida: “Presente. Cá estou!”


     Encaro-me no espelho do banheiro enquanto escovo os dentes e percebo que já amanheci tarde. Tento descobrir no que me tornei após tantos percursos acidentais, tantos deslizes, tantos esquecimentos, tantos afetos, tantos amores. Alma encharcada, repleta de chão, desistência completa de qualquer ideia conformada de me adiar mais uma vez. A vida é assim mesmo tão urgente ou sou eu que ando perdida em suas reticentes vírgulas? Suspiro fundo, pensativa e calada, ao invés de responder.


     Quero um dia de interjeição. Dizer um sonoro e convicto “alto lá” ao diploma do fracasso e ao chute no traseiro. Quero a arquitetura inventiva de dias que ainda não aconteceram, mas gelam as minhas mãos, trêmulas como de uma criança, de tanta emoção incontida.


     Sopro as velinhas do bolo imaginário que eu mesma preparei usando como ingredientes as insatisfações que acumulei ao longo do meu caminho. Cara feia agora é doce de leite e o fracasso, a cerejinha de enfeite final. A receita da vida, às vezes, requer um recheio de dúvidas inconvenientes e um sabor agridoce de cinismo. Antes de sair de casa, tomei café sentada ali, sozinha, na minha gelada cozinha. Depois caí na gargalhada pensando na meia dúzia de planos que eu havia projetado para concluir antes dos 30 anos. A vida me ensinou a duras penas a desengavetar a poesia, mesmo que ela continue sendo incorrigivelmente tímida e triste. Quem mandou Drummond aparecer na minha vida aos 13 anos.

     Descobri, nessa altura da vida, que ironizar-se é o melhor presente que alguém pode dar a si mesmo.  Decidi, finalmente, acatar o conselho insistente e sábio daquele anjo torto que vive na sombra mansa desse vasto mundo a me dizer:


-Vai, Patrícia, ser gauche na vida!


     E agora, com licença, que eu vou ali errar um pouco mais.



P.S.:  Descobrir que você nasceu no mesmo dia em que foi instituído o horário de verão no Brasil pode dizer muito da sua própria personalidade. Talvez isso justifique, em grande parte, a minha inadequação com as horas e a constante predileção por esse jeito de fim de tarde que a vida tem. Para encerrar, a trilha sonora escolhida para hoje...


Entregue-se- Tiê


Velha e Louca- Mallu Magalhães


Eu quero ser feliz agora- Oswaldo Montenegro


Deus me proteja- Chico César


O vencedor- Los Hermanos



“Aniversário é uma festa para te lembrar do que resta” 

Millôr Fernandes

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Gênesis

Conta a lenda que em tempos muito longínquos,
num lugar remoto conhecido como “O Reino dos Desiludidos”,
Deus disse: “Faça-se o coração!”.
Em seguida, temendo os desatinos de sua primeira criação,
(seria também sua predileta?)
proferiu em tom assertivo: “Faça-se o cérebro!”
Daí, o cérebro olhou para o coração retrospectivamente
e teve muita pena.

(A última série de casos publicada recentemente aponta que a referida espécie poderá ter um destino final ainda mais trágico que a extinção dos dinossauros. No entanto, ainda não há consenso na literatura.)

domingo, 16 de setembro de 2012

Devaneios insones- Previsão do tempo

     Luísa, às vezes, não concorda nem consigo mesma. É pessimista demais para acreditar em coincidências banais. A chegada da primavera é mais complexa do que simplesmente circular uma data no calendário. As flores do seu jardim, desobedecendo às tradições climáticas, teimavam manterem-se tímidas até quando o resto do mundo resolvia desabrochar. De tudo que era, era bem menos que um terço. Será que a vida já não era mais tão bonita assim quanto cantou Gonzaguinha ou estaria ela embebida de tal forma num existencialismo descrente?  
     Precisava aprofundar-se na inversão do “cogito” cartesiano e andar de mãos dadas com Lacan aos menos nas tardes de domingo. “Eu sou onde não penso”, repetia como se fosse uma devotada profissão de fé em si mesma. Precisava dizer, ainda que não conseguisse atingir toda a não-racionalidade daquela expressão, mas seu alter ego intuía. Mesmo que tropeçasse dali a pouco mais de dois passos (isso certamente iria acontecer), valorizava aquele breve e inexplicável instante de ternura e encanto.  
     Desacostumar-se é uma vitória íntima e sigilosa, como numa festa ruim que dependemos de carona para ir embora ou aquela sensação perene na vida de quem saiu, mas acabou esquecendo a porta destrancada outra vez. O que adianta tanto esforço se no final das contas quem menos chora é quem mais se oprime e quem menos busca é a pessoa que mais se perde? 
     O jeito talvez seja mesmo achar um poema pra deitar quietinha entre um verso e outro até esquecer-se de seus medos. Lá pelo menos não haveria necessidade de justificar os invernos tão prolongados. Os poetas sim, eles entendem desses não-lugares. Da palavra não dita, do suspiro por trás de uma confissão não declarada, dos lírios que enfeitam a noite com suaves perfumes e dos cactos que também encantam os olhares pelas contradições da tristeza.
     Luísa, às vezes, também pensava que a vida era um cumprimento de mão frouxo. Mantinha-se sempre ali por perto, mas não a protegia. No fundo, não existe generosidade partilhada. O dia é uma prestação única e à vista. Ninguém pode pedir desconto para a vida. Ou você faz do calor uma água de coco ou passa a vida inteira reclamando refém do ar-condicionado. Triste é concluir que só tem lucidez nessa vida quem não tem coisa melhor para ter.


Tarde de Domingo, Max 32ºC, Min. 20ºC.  
Sol com aumento de nuvens ao longo do dia. 
À noite podem ocorrer pancadas de chuva.

sábado, 8 de setembro de 2012

Adultices


A pior das adultices é a adulteração do choro.
Aquela que faz da vida um riso batizado,
como aqueles similares falsificados
com preço barato de liquidação.
De que vale cara de feliz,
ombros eretos e lábios hidratados,
se o comum da vida é esse corriqueiro
jeito fantasmagórico de quem camufla as olheiras
enquanto se ilude no espelho do banheiro?
Viver é como andar de bicicleta.
Às vezes a gente tem preguiça e não vai.
Outras vezes cria coragem, vai e se esborracha no chão.
Depois, em casa, se abraça, 
entre soluços e berros, à caixinha de curativos.
O melhor das pessoas são as histórias 
que as cicatrizes dos joelhos contam.