domingo, 16 de junho de 2013

Devaneios insones- Protesto

    incompletude é o traço da personalidade de Luísa que mais a aproxima dos poetas que ela lê. Entre tantas teorias e conceitos complexos a que é obrigada a dominar, são os poemas que produzem descanso ao seu corpo exausto de tantas exigências. É preciso concluir, apesar de ser difícil a constatação, que se tornar adulto pode representar transformar-se numa pessoa sem graça e previsível que não pensa duas vezes ao aposentar os patins em troca de uma agenda farta de compromissos sérios ou viver assombrada pelo hábito de acordar, sem motivo, no meio da noite para arrepender-se do que não fez pelo excesso de pensar. Poderia ser comparada facilmente a uma daquelas protagonistas clariceanas conhecidas por terem na alma o peso do mundo ou por chorarem crises existenciais feitas de palavras eloquentes que morrem censuradas antes de serem ditas.     
     O quarto bagunçado de Luísa é uma boa representação do seu mundo interior. Quem sabe também do frio que a obrigava enrolar-se num edredom feito um rocambole de tristeza. Para que contrariar o relógio se a vida insistia em convencê-la de que não passava de um imperdoável despertador sem a função “soneca”?  
     Tinha convicção de que ou enfrentava os próprios medos com pontualidade britânica ou acumulava insuportáveis repreensões do chefe a sua coleção de troféus pelo primeiro lugar no campeonato dos piores fracassos da história. Mas, ainda assim, podia sentir orgulho por, apesar de sua nítida preferência ao tragicômico e ao mais patético, ter magoado poucas pessoas nesse mundo. Talvez pudesse contabilizar umas duas ou três maldades das quais ela não conseguia se perdoar. 
     Convenhamos que, provavelmente, isso signifique pouco perto de um mundo em que basta ter algum senso crítico para perder o ânimo de fazer poesia sincera ou declarar-se com originalidade para algum sujeito com atributos alternativos àquelas belezas geometricamente simétricas e excessivamente fotográficas. 
     O próximo ato revolucionário de Luísa será pichar, escondido dos seus pais, o teto do seu quarto com letras garrafais: 

"Por um  mundo que dê vez aos que morrem de medo antes mesmo de começar. Voz nem precisa porque somos tímidos demais para isso!"