quarta-feira, 28 de julho de 2021

Caraguatatuba

O mar recuou deixando os barcos atolados

na extensa e insólita faixa de areia

que a praia do Camaroeiro se transformou.

O litoral perde imediatamente sua serventia

se as águas não retornam ao destino de servir

aos destemidos sonhos dos pescadores caiçaras.

Parece que a lua cheia e os ventos soprando em paralelo à costa

explicam o fantástico fenômeno do inconsciente marítimo

e traduzem ainda melhor a miséria humana

que o surpreendente paredão de arranha-céus 

lançando sombras sobre Camboriú,

a Dubai brasileira.



A maré está baixa.

O governo fascista destrói em poucos dias

as políticas públicas que levaram décadas para implantação.

As temperaturas abaixam, ao passo que as geleiras continuam derretendo.  

A Amazônia diminui enquanto a fronteira agrícola avança e a fome cresce.

Se até a imponente Plataforma Lattes caiu,

deixando o mundo acadêmico perdido e sem sentido, 

seria agora a hora e a vez do mercado dos afetos?



João que amou Raimundo, agora vive com Teresa.

Maria se declarou para Lili na mesmo noite

em que Joaquim sonhava com J. Pinto Fernandes.

E você, Josefina?

Teria tempo para uma quadrilha julhina?

Suportaria perder?

Na vida,

no mercado de trabalho,

na conjuntura política,

nos espaços acadêmicos,

e no amor?

 

(Se da linguagem emerge o desejo, o trava-língua que dá título ao poema é homenagem à metalinguagem dos tropeços.)