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sábado, 20 de março de 2010

Memórias

     A jovem poetiza nunca temeu o ridículo. O bom gosto está no prazer de assumir o risco de apenas insinuar-se sentimental.
     É cíclica a vida, assim como sugeriram os gregos na antigüidade. O tempo, imaginação que dá conta do que a realidade por si só concebeu. Mérito da criatividade própria de quem tem muitas horas vagas de andança e divagação. Aboliu-se a finalidade, o porquê teve dúvidas se a certeza é mesmo a senhora da razão.
     Hoje tive vontade de aposentar a maturidade, de dar folga para a suposta seriedade até entrar no delírio franco de trancar as chatices do dia numa gaveta e depois jogar a chave fora no riacho que passa em frente da porta da minha casa. A roupa mais colorida do meu guarda-roupa me espera. O velho boton traz o lema da estrada que me leva. As frutas roubadas no quintal da vizinha ranzinza nunca tiveram tanto sabor de perigo e subversão.
     Fim de março. Abril promete encher as quaresmeiras de flores. Roxas, como a cor preferida da paixão e da dor, mas dessa coincidência eu não me ocupo mais. Deixo que os poetas procurem entendê-la. No momento, decidi aproveitar a vista que me arrebata.
     Desejo entrar na história só para enturmar o patinho feio, reconstruir as casinhas dos três porquinhos junto com os sete anões, convencer o menino Pinóquio a confessar seu amor platônico pela Bela Adormecida e criar coragem para colocar dread nas madeixas de Rapunzel. Depois rir até sentir cólicas na barriga de tanta felicidade.
     Ao final da leitura, a próxima travessura é fazer pirraça no meio da rua e chorar até acabarem as lágrimas por um algodão doce da pracinha. Cama quentinha, desenho animado na TV enquanto a chuva faz carícia no telhado e espalha cheiro de aconchego. O frio anuncia a proximidade do inverno. Não há problema, a lareira me confidenciou numa dessas noites geladas que a melhor estação do ano é o desejo.