Ainda nos seus vinte e poucos anos
(apesar de alguns consideráveis fios brancos), Luísa chegou à conclusão de que
o tempo é o seu maior aliado oculto. Depois de tantos embates inúteis, deitou
exausta na relva verde do jardim e deixou acalentar-se a si própria. Chorou um
pranto comovido e aliviado numa cena digna de catarse para uma apropriada tarde
cinzenta de domingo de páscoa. Março merecia um final assim.
A segunda metade da vida é ainda melhor quando o peito não tem
porque esconder os espantos e as vertigens que o habitam e quando a alma já
coleciona mais rugas que a própria pele. Tinha certeza que só vence na vida a
pessoa que se descobre ingenuamente fazendo o que gosta. A vida discordava
insistentemente dela exigindo que seus argumentos fossem melhorados e não o tom
de sua voz elevado. Para cada franzido de testa, um resignado pedido de
desculpa sempre seria cobrado mais tarde.
Para ela a existência não era feita de ingressos gratuitos, lucros
vantajosos, feriados prolongados, temperaturas amenas, notas altas e noites
badaladas. A boêmia não passava de uma pracinha com jeito de interior, de um
sorvete de casquinha que a gente compra com o troco da padaria, de um passeio
de bicicleta debaixo de chuva fina, um moletom furado e céu nublado. Para
Luísa, o mais surpreendente da vida é saber aproveitar o toque acidental das
mãos geladas que se entrelaçam no cinema; a insônia criativa que nos surpreende
depois de um dia massacrante de trabalho; a frase que a gente ensaia pra falar,
mas gagueja no momento decisivo; a cerveja morna que se bebe num minúsculo
quarto e sala enquanto sonha com um apartamento refrigerado e atapetado de
desejos inconfessos; o ônibus superlotado com motorista mal educado que a gente
pega enquanto o pensamento divaga livremente por sonhos intercontinentais; o
atraso do voo que a gente nem liga só pelo direito de aproveitar o romantismo
da despedida que antecede o embarque.
Luísa não queria mais lamentos paralisantes. A vida não é um chocolate
ao leite. É sabor meio amargo parecendo gosto de despedida. O pior jeito de
saboreá-lo é não saber partir e o pior jeito de partir é não saber aonde se
quer chegar.
[Se o chocolate faz aumentar a sensação de
bem-estar eu não sei, mas pode fazer o desejo de escrever voltar...]