Ainda nos seus vinte e poucos anos
(apesar de alguns consideráveis fios brancos), Luísa chegou à conclusão de que
o tempo é o seu maior aliado oculto. Depois de tantos embates inúteis, deitou
exausta na relva verde do jardim e deixou acalentar-se a si própria. Chorou um
pranto comovido e aliviado numa cena digna de catarse para uma apropriada tarde
cinzenta de domingo de páscoa. Março merecia um final assim.
A segunda metade da vida é ainda melhor quando o peito não tem
porque esconder os espantos e as vertigens que o habitam e quando a alma já
coleciona mais rugas que a própria pele. Tinha certeza que só vence na vida a
pessoa que se descobre ingenuamente fazendo o que gosta. A vida discordava
insistentemente dela exigindo que seus argumentos fossem melhorados e não o tom
de sua voz elevado. Para cada franzido de testa, um resignado pedido de
desculpa sempre seria cobrado mais tarde.
Para ela a existência não era feita de ingressos gratuitos, lucros
vantajosos, feriados prolongados, temperaturas amenas, notas altas e noites
badaladas. A boêmia não passava de uma pracinha com jeito de interior, de um
sorvete de casquinha que a gente compra com o troco da padaria, de um passeio
de bicicleta debaixo de chuva fina, um moletom furado e céu nublado. Para
Luísa, o mais surpreendente da vida é saber aproveitar o toque acidental das
mãos geladas que se entrelaçam no cinema; a insônia criativa que nos surpreende
depois de um dia massacrante de trabalho; a frase que a gente ensaia pra falar,
mas gagueja no momento decisivo; a cerveja morna que se bebe num minúsculo
quarto e sala enquanto sonha com um apartamento refrigerado e atapetado de
desejos inconfessos; o ônibus superlotado com motorista mal educado que a gente
pega enquanto o pensamento divaga livremente por sonhos intercontinentais; o
atraso do voo que a gente nem liga só pelo direito de aproveitar o romantismo
da despedida que antecede o embarque.
Luísa não queria mais lamentos paralisantes. A vida não é um chocolate
ao leite. É sabor meio amargo parecendo gosto de despedida. O pior jeito de
saboreá-lo é não saber partir e o pior jeito de partir é não saber aonde se
quer chegar.
[Se o chocolate faz aumentar a sensação de
bem-estar eu não sei, mas pode fazer o desejo de escrever voltar...]
4 comentários:
Lindo texto Patrícia!
Especialmente o trecho "(...) quando a alma já coleciona mais rugas que a própria pele"
Me emocionou muito. Essa Luísa deve ser sósia da garota dos meus sonhos.
Obrigada, chocolate...hj encontrei mais uma razão pra amá-lo...graças a vc, apreciei um adorável texto de páscoa...enquanto ainda tento encontrar no tempo meu maior aliado oculto...
Sabe, Arth, que até eu tenho um pouco de ciúmes da Luísa. Ela parece que já tem vida própria. Coisa maluca essa de inventar personagens, né?!
Ah, e obrigada pela leitura sempre tão generosa!
Que saudades de você, Angel!
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