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quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Sobre amar em tempos de ódio

Leio um poema de Drummond e antes da metade eu já me recordo de você. 
(Aspirante à poeta, professor, admirador de Paulo Freire). 
Abro uma lata de leite condensado e antes da culpa bater me lembro de você.
(Vegano, protetor dos animais, ambientalista).
Tem tanto de você no formato cômico que as nuvens vão tomando no céu e naqueles documentários sobre a origem do universo, placas tectônicas, terremotos e maremotos, história dos dinossauros e dos povos mesopotâmicos.
(Cinéfilo, contra-cultura, tropicalista, hippie).
Tenho a impressão até que você mora em algum daqueles solos de guitarra do rock britânico dos anos 80, numa rádio retro que pouca gente conhece ou no meu quarto quando a luz se apaga, mas o sono não vem.
(Artista, respeitador de lugar de fala, insone).
Toda vez que o tempo muda de repente, nos banhos de chuva imprevistos que a gente leva sem querer, nessas surpresas miúdas que só acontecem no entardecer, no final do plantão tomando o caminho de volta pra casa.

(Distraído, workaholic, endividado).
Sempre quando vejo fumaça saindo do chá de hortelã, na confusão de sentimentos que o agridoce me provoca, quando me atraso porque o despertador não tocou, quando o expediente acaba ou quando falo uma redundância sem perceber.
(Tímido de cabelo bagunçado, classe trabalhadora).

Lembrar é uma forma de resistir ao esquecimento.  
Mentiram pra gente quando nos fizeram acreditar que a gente ama com o coração. 
A gente ama mesmo é com a memória. 
Aquela que temos ou aquela que inventamos para sobreviver aos dias sem nenhum sentido.

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