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sábado, 20 de agosto de 2011

Devaneios insones- O contorno estético

     Luísa deseja capturar as dimensões do tempo. Ela insiste em escrever por querer ter o direito de dizer quando fala. O seu áspero ofício exige um esforço que a consome lentamente como gravetos tenros numa fornalha incandescente. Viver é assumir uma condição de querer sentido sempre, de tirar do oco o fundo, de contar o incontável, de extrair do raso lago o mistério profundo, dos remendos os motivos secretos, de romper o silêncio insondável que não se explica com meia dúzia de palavras fáceis. Para ela, pensar é como ser arremessada ao caos. É como duvidar de todo riso que não seja libertador, de toda esperança que não conduza a catarse. É como se, a cada dia, tudo precisasse ruir por inteiro para ser reconstruído novamente, num vai-e-vem dialético repleto de angústia e contentamento. Um analisar instante a instante a própria geografia interior.

     Talvez seja melhor mesmo escolher a estética dos contornos da tristeza. Optar por não fechar os olhos para a dor inevitável nem se esconder do desespero que lhe espreita ali atrás da porta. Luísa insistia em contar as perdas e apontar cada marca deixada por elas na memória e também no seu corpo. Apontava orgulhosamente a pequena cicatriz na testa disfarçada pelos cabelos castanho-escuros. Dizia que aquilo era o resultado da ingenuidade infantil de uma criança que acreditava poder voar quando corria. Depois dos inúmeros tombos, acostumou a valorizar os joelhos esfolados. Ela falava, de forma bem humorada numa roda de conversa com alguns amigos, que após certas escolhas erradas começa-se a enxergar o mundo pelo ponto de vista dos que estão sempre atrasados. E completava o raciocínio argumentando que a sequência de notas ruins na escola ensina ao estudante como o dito “não-saber” pode ser uma experiência capaz de mover o mundo, tornando-o menos prepotente e mais sábio. De fato, o tempo filosófico que dedicava aos seus questionamentos era muito mais importante que a fórmula matemática que nunca iria usar.

     Dessa forma, a jovem acabou ficando com ares um pouco mais maduros. Chegava a ponto de se julgar uma mulher de quarenta anos em algumas ocasiões tamanha dissonância. Logo, pensava intimamente:

     - Um bom escritor precisa de uma alma mais velha para ser denso. No entanto, como explicar a natureza pueril da sua poesia?

     O fato é que para escrever um romance ainda faltava envelhecer bastante.

     Enquanto Luísa não resolve seus dilemas com o tempo, persiste intrigada pela possibilidade de dar voz ao que as pessoas querem dizer e não conseguem. Julga encantadora a capacidade de traduzir com beleza as dúvidas mais banais que as pessoas carregam nas suas bagagens e de como alguém fica interessante quando abandona antigas certezas ao longo do caminho para seguir adiante mais leve. Há nisso tudo um contexto frágil intrinsecamente epifânico e sedutor.

     Essa é a estética mais deslumbrante da arte. E ponto (de exclamação!).

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