Era, provavelmente, uma equação insolúvel ou uma
segunda-feira dando início a um inverno insuportável. Luísa parecia ter saído
de um filme francês do final dos anos 90 ou de alguma canção romântica daquelas
bandas alternativas do rock inglês dos anos 80. Para ela, no entanto, tudo não
passava de um prenúncio de julho antecipando seus incômodos sentimentos.
Naquela noite, se pudesse, a jovem daria
um forte e emocionado abraço em Newton pela genialidade expressa na Lei da
Inércia. Qualquer movimentação nessa altura da vida seria profundamente
agressiva e contraditória. Já estava decretado o fracasso pessoal e nada que
fizesse poderia mudar o inexorável destino daquele prolongado inverno. Fingiu
anoitecer sentada na cama com os olhos semicerrados e olhou para o abajur
queimado em cima do criado mudo e para a caixinha de música que há mais de um
ano esperava conserto. As fotos no mural da sala também dispensavam qualquer
explicação mais detalhada sobre a sua personalidade vazia. O resto do cenário
se resumia num quarto bagunçado em uma noite de poucas estrelas e sem lua,
iluminado apenas por uma luz longínqua vinda de um dos edifícios daquela cidade
de sucessos empresariais e fracassos humanos. A única distração era pensar numa
revolução em causa própria: destruir os ponteiros do relógio para remediar seus
constantes atrasos.
Para o café da manhã, Luísa preparou
leite com café (sua especialidade culinária predileta) e bolacha de água e sal,
aquela mesma com gosto de nada que já chega esfarelada só de ser olhada na
prateleira do supermercado. De pijamas, ainda, sentou-se na frente do
computador, após incontáveis meses sem uma inspiração sequer, e reiniciou, pela
enésima vez sem uma inspiração sequer, a primeira página do romance que
pretendia escrever desde a adolescência. Difícil era não matar o protagonista
na primeira linha, fugir do desespero que sentia após concluir o terceiro
diálogo do texto e de citar fatidicamente a “Metafísica do Amor / Metafísica da Morte” de Schopenhauer
já no primeiro parágrafo. Mas, para que insistir tanto nos detalhes estéticos
ou na procura de um discurso maduro, se tudo sempre acaba em folhetim
popularesco com a sobriedade da rima alcoolizada comicamente na sarjeta de
uma poesia tão pueril e insegura?
A única conclusão a que Luísa conseguiu
chegar era de que, se um dia escrevesse sobre o amor, o faria na forma de
contos dramáticos e curtos para não cansar o leitor. Isso porque, quando se
chora, as palavras cumprem a sina anárquica e autoritária de romper a
arrogância do silêncio sem pedir licença aos ouvintes. Desistir é também uma
forma de guardar o que nunca se teve. De resto, só faltava escrever que o amor
não é um quadrado perfeito, tem gosto de café amargo e um jeito sem graça e bobo de
rock do passado.
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