Luísa, às vezes,
não concorda nem consigo mesma. É pessimista demais para acreditar em coincidências
banais. A chegada da primavera é mais complexa do que simplesmente circular uma
data no calendário. As flores do seu jardim, desobedecendo às tradições
climáticas, teimavam manterem-se tímidas até quando o resto do mundo
resolvia desabrochar. De tudo que era, era bem menos que um terço. Será
que a vida já não era mais tão bonita assim quanto cantou Gonzaguinha ou
estaria ela embebida de tal forma num existencialismo descrente?
Precisava aprofundar-se na inversão do “cogito” cartesiano e andar
de mãos dadas com Lacan aos menos nas tardes de domingo. “Eu sou onde não
penso”, repetia como se fosse uma devotada profissão de fé em si mesma.
Precisava dizer, ainda que não conseguisse atingir toda a não-racionalidade
daquela expressão, mas seu alter ego intuía. Mesmo que tropeçasse dali a pouco
mais de dois passos (isso certamente iria acontecer), valorizava aquele breve e
inexplicável instante de ternura e encanto.
Desacostumar-se é uma vitória íntima e sigilosa, como numa festa
ruim que dependemos de carona para ir embora ou aquela sensação perene na vida
de quem saiu, mas acabou esquecendo a porta destrancada outra vez. O que
adianta tanto esforço se no final das contas quem menos chora é quem mais se
oprime e quem menos busca é a pessoa que mais se perde?
O jeito talvez seja mesmo achar um poema pra deitar quietinha
entre um verso e outro até esquecer-se de seus medos. Lá pelo menos não
haveria necessidade de justificar os invernos tão prolongados. Os poetas sim,
eles entendem desses não-lugares. Da palavra não dita, do suspiro por trás de
uma confissão não declarada, dos lírios que enfeitam a noite com suaves
perfumes e dos cactos que também encantam os olhares pelas contradições da
tristeza.
Luísa, às vezes, também pensava que a vida era um cumprimento de mão frouxo. Mantinha-se sempre ali por perto, mas não a protegia. No fundo, não existe generosidade partilhada. O dia é uma prestação única e à vista. Ninguém pode pedir desconto para a vida. Ou você faz do calor uma água de coco ou passa a vida inteira reclamando refém do ar-condicionado. Triste é concluir que só tem lucidez nessa vida quem não tem coisa melhor para ter.
Luísa, às vezes, também pensava que a vida era um cumprimento de mão frouxo. Mantinha-se sempre ali por perto, mas não a protegia. No fundo, não existe generosidade partilhada. O dia é uma prestação única e à vista. Ninguém pode pedir desconto para a vida. Ou você faz do calor uma água de coco ou passa a vida inteira reclamando refém do ar-condicionado. Triste é concluir que só tem lucidez nessa vida quem não tem coisa melhor para ter.
Tarde de Domingo, Max 32ºC, Min. 20ºC.
Sol com aumento de
nuvens ao longo do dia.
À noite podem ocorrer pancadas de chuva.
2 comentários:
Cara Patrícia,
Seus textos enchem de inspiração nossos dias nublados, abafando o calor da inquietação que teima nos incomodar. Continue assim: incomodada, reflexiva, enfim, criativa e sublime.
Beijos.
Pena que não posso usar seu nome para lhe agradecer a gentileza do comentário. De qualquer forma,seja você quem for, esteja onde estiver,saiba que eu me senti muito lisonjeada com a sua leitura.
Dedicar-se à narração de outra pessoa é também um gesto de gente incomodada,encalourada, que não tem medo das trovadas que a reflexão pode promover em seu mundo interior.
Volte sempre! E obrigada, mais uma vez.
Um Beijo
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