Tweet

domingo, 16 de setembro de 2012

Devaneios insones- Previsão do tempo

     Luísa, às vezes, não concorda nem consigo mesma. É pessimista demais para acreditar em coincidências banais. A chegada da primavera é mais complexa do que simplesmente circular uma data no calendário. As flores do seu jardim, desobedecendo às tradições climáticas, teimavam manterem-se tímidas até quando o resto do mundo resolvia desabrochar. De tudo que era, era bem menos que um terço. Será que a vida já não era mais tão bonita assim quanto cantou Gonzaguinha ou estaria ela embebida de tal forma num existencialismo descrente?  
     Precisava aprofundar-se na inversão do “cogito” cartesiano e andar de mãos dadas com Lacan aos menos nas tardes de domingo. “Eu sou onde não penso”, repetia como se fosse uma devotada profissão de fé em si mesma. Precisava dizer, ainda que não conseguisse atingir toda a não-racionalidade daquela expressão, mas seu alter ego intuía. Mesmo que tropeçasse dali a pouco mais de dois passos (isso certamente iria acontecer), valorizava aquele breve e inexplicável instante de ternura e encanto.  
     Desacostumar-se é uma vitória íntima e sigilosa, como numa festa ruim que dependemos de carona para ir embora ou aquela sensação perene na vida de quem saiu, mas acabou esquecendo a porta destrancada outra vez. O que adianta tanto esforço se no final das contas quem menos chora é quem mais se oprime e quem menos busca é a pessoa que mais se perde? 
     O jeito talvez seja mesmo achar um poema pra deitar quietinha entre um verso e outro até esquecer-se de seus medos. Lá pelo menos não haveria necessidade de justificar os invernos tão prolongados. Os poetas sim, eles entendem desses não-lugares. Da palavra não dita, do suspiro por trás de uma confissão não declarada, dos lírios que enfeitam a noite com suaves perfumes e dos cactos que também encantam os olhares pelas contradições da tristeza.
     Luísa, às vezes, também pensava que a vida era um cumprimento de mão frouxo. Mantinha-se sempre ali por perto, mas não a protegia. No fundo, não existe generosidade partilhada. O dia é uma prestação única e à vista. Ninguém pode pedir desconto para a vida. Ou você faz do calor uma água de coco ou passa a vida inteira reclamando refém do ar-condicionado. Triste é concluir que só tem lucidez nessa vida quem não tem coisa melhor para ter.


Tarde de Domingo, Max 32ºC, Min. 20ºC.  
Sol com aumento de nuvens ao longo do dia. 
À noite podem ocorrer pancadas de chuva.

2 comentários:

Anônimo disse...

Cara Patrícia,
Seus textos enchem de inspiração nossos dias nublados, abafando o calor da inquietação que teima nos incomodar. Continue assim: incomodada, reflexiva, enfim, criativa e sublime.
Beijos.

Patrícia disse...

Pena que não posso usar seu nome para lhe agradecer a gentileza do comentário. De qualquer forma,seja você quem for, esteja onde estiver,saiba que eu me senti muito lisonjeada com a sua leitura.

Dedicar-se à narração de outra pessoa é também um gesto de gente incomodada,encalourada, que não tem medo das trovadas que a reflexão pode promover em seu mundo interior.

Volte sempre! E obrigada, mais uma vez.

Um Beijo