Aniversários costumam exacerbar movimentos
pessoais de interiorização. É como se a proximidade da data que representa
simbolicamente o encerramento de um ciclo de vida para o início de outro nos
obrigasse a uma caminhada por pedregulhos, a um mergulho em águas subterrâneas,
a travessias por pontes móveis na direção de destinos desejados apesar de incertos.
Acordo de repente com 30. E por mais que
possam parecer pesadas três décadas, não apazíguo minhas inquietações. Continuo
a mesma menina que tinha medo de perder-se ao sair de casa, que chorou
copiosamente na primeira vez que viu um passarinho caído no chão com a asinha
quebrada sendo devorado por formigas impiedosas, que se interessava pelo
universo paralelo dos tímidos mais impopulares do recreio ou que brincava de
dar chás curativos às bonecas adoentadas.
De forma que tudo até aqui tem muito da companhia de Clarice nas intermináveis viagens de ônibus, do consolo musical
de Chico naquelas derrotas duras da vida, das vezes que imaginei Vinícius lendo
poemas insistentemente esperançosos me arrancando dos clichês pessimistas, do samba
de Noel que me tirou tantas vezes da cama, do sax de Chet Baker que despistou a
insônia, dos graves de Dylan que me fizeram enfrentar pias de louça suja ou os
medos mais primários, do toddynho que me salvaguardou das hipoglicemias matinais, do
vinho que me protegeu do excesso medíocre de lucidez, dos guardanapos de papel que acolheram
as poesias repentinas, dos lixos que abrigaram as provas que não me serviram de
nada, dos não-frequentadores dos primeiros lugares que me fizeram acreditar que
as pessoas mais interessantes costumavam ficar de fora das festas apreciando
as estrelas e da gramática que me ensinou que basta um ponto de exclamação quando
a emoção é sincera.
Posso corajosamente estender simbolicamente a vida no varal e sentenciar que tudo até hoje fez muito
sentido, até quando parecia não fazer.
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