Escuta
só... Fevereiro mal começou e o ano já está esquisito. A luz entra pelas
rachaduras de sempre e, entre uma falha e outra, sempre se espera uma
iluminação qualquer. As cores do verão ainda insistem em atravessar as vidraças
barrocas da melancolia. Quanta ilusão, pois já de antemão se sabe que no final
da história nem Pierrot nem Colombina alcançarão redenção. Tarde demais porque
a essa hora tudo é carnaval. Metade dançando, folia, suor e cerveja. A outra metade dormindo, limpando
a pólvora das armas, morrendo.
Uma mãe acaba de medicar seu bebê por causa de uma
febre sem causa. João dá um copo de água gelada para matar a sede do amigo na
construção do prédio aqui do lado. Enquanto uma árvore frondosa cai na
Amazônia, uma criança nasce a plenos pulmões. Enquanto Clara completa 36 horas
seguidas de plantão, Mário namora há 5 anos através de uma webcam. E você? Tem
sede de quê? Qual o protetor da sua pele? Qual seu samba favorito? Qual das
suas cicatrizes te ocupa mais tempo? Quanto de entrega há por trás dos seus
beijos? Você muda o compasso da
música ou contenta-se com um “dois pra lá, dois pra cá”?
O nosso bloco sai depois das duas da tarde. Faça
chuva ou faça sol. Partiremos da cidade baixa, atrás da antena de rádio no
subúrbio da tristeza, na esquina da rua dos desiludidos com a avenida dos
insurgentes. Vem de cara limpa e de pijama mesmo, mas não deixa de vir. Passaremos sem
credenciais, escondidos da polícia, pelo circuito subterrâneo do amor. Convite
preferencial para os foliões fora de forma, os desajeitados que atravessam o
samba, os atrasados para o desfile, os reprovados de recuperação na vida. É o
convite mais sério que eu já fiz até hoje. Escuta com o coração: posso te
esperar para um carnaval que dure o ano inteiro?
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