À noite, os corpos parecem estranhos.
Os joelhos exibem estalidos metálicos.
Desejos e receios articulam-se em atritos desmedidos.
Os pêlos arrepiam-se subentendidos
como se não houvesse explícita autoria
para a discreta sensação ocorrida.
Mas isto só os olhos mais atentos reparam.
Ao exame, a descrição parece banal.
Rubor facial,
marcha atípica e suspeita,
tremor fino,
extremidades frias e sudoréicas,
palidez de susto,
mucosas secas a espera de cor.
O ar flui pela via corpórea
enquanto aérea a anatomia antecipa
a palavra calada,
a boca emudecida,
o coração descompensado.
Praticamente um sopro audível
em substituição à fala.
Palpável só mesmo o que crepita, irradia e incendeia.
Em altas chamas,
veias e velas em febril decomposição poética.
De épico só mesmo os terremotos
na topografia incerta do precórdio.
Quase desdobramento de um som tardio
a desafiar o mais moderno dos estetoscópios.
É certo.
O corpo ainda prefere manter o segredo
dos sibilos misteriosos do peito
tanto quanto o mediastino abriga
o impreciso desatino amado
do que não foi combinado sentir
em sintomas tão agudizados.
Em meio a ossos e nervos
destaca-se só o que é
de tenra aparência frágil
até o momento que eu me desintegre,
de assombro em assombro,
em mil pedaços esmagados.
E me pegue de novo
remexendo nos mesmos escombros,
restos dos estranhamentos do meu corpo
à espera de interpretação.
[A autora tentando fazer uma tímida descrição anatômica, semiológica e poética daquilo que se costuma chamar de amor]
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