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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Mineiridades

O sol esconde atrás das montanhas
e entrete o tímido habitante das gerais.
Sem mar, o itinerante divide os retalhos
de dores lampejos de arte.
Finos teares de sombra, cores de tarde.
O falar provinciano reconcilia os opostos,
de Brecht ao mais convicto dos liberais.
Distrai com queijo e goiabada os dispostos.
Viola, causo, gargalhada e piada.

O menino veste adulto,
o errante pede indulto,
o amante promete o mundo,
estranho vulto da hora instante.
Quer o culto ao sábio tempo de nascer dilema,
conselho de um certo Guimarães,
que me fez colher Rosa
nos prados de Adélia,
nos versos de Drummond.

O riso discreto espreita atrás da porta,
entreaberta de tamanha espera.
Há uma serena lágrima que acende a fogueira.
Eu madrugando no clarão da ribanceira,
ao som do cancioneiro popular
embalado em noite estrelada.
Romanceiro narrando o lírico,
ser onírico em escala semitonada.

Os mineiros se perdem nos mistérios
que nem seus ricos minérios conseguem pagar.
O detalhe sutil ressurge para reparar
a beleza altiva da estrada real,
pouco afetada pelo falso ideal
de um controverso inconfidente feito herói.
Velho Chico, choro-rio agonizante,
gemido pugente que dói,
Seca escassez, contido em barragens, ganância dos patrões.

As lavadeiras alvejam roupas nos quintais.
De cá, o jovem desassossega-se lendo jornais.
O doce caseiro satisfaz a boca
enquanto a alma se deleita na tristeza
divertindo-se com o tom barroco dos vitrais.

A arte também tem seus frágeis cristais.
Sentada na calçada,
alcoolizada de indecifráveis ais.
Fingindo-se mal-amada,
julga-se útil e fútil, tudo e nada.
Sentencia-se suportável e, às vezes, não.
Bem-vindo ao interior das bagagens.
Identidade plural de Minas Gerais.

[A autora mineirando a noite tipicamente brasileira]

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