Luísa nunca acreditou que houvesse coerência no amor quanto mais algum grau de justiça. O conselho dos mais velhos (“Ainda vai encontrar alguém CERTO para você”) parecia uma assertiva que, de tão misteriosa, nem tentava desvendar.
O amor chegou como o avesso de tudo que ela sempre acreditou. Uma espécie de negação racional, uma estranha sensação de falta de controle. Foi difícil acreditar que o amor não era linguagem matemática nem podia ser mensurado nas mágicas gotas/mim de uma prescrição médica. Para piorar, o amor também não era feito de socialismo nem suportava utopias platônicas. Tinha um incorrigível egoísmo, um desejo inescrupuloso, um jeito de caça-níquel fabricado para o jogador perder todo o seu merecido salário em uma só noite.
Os romances que Luísa adorava ler esconderam dela que o amor viria com todos os defeitos que condenava veementemente. O peso de provocação nas entrelinhas, a vulnerabilidade inata, a cobrança sem motivos, o pedido esquecido para ir embora, a incompetência de gestos, o tremor na voz, a inquietação das dúvidas. Sentia-se como se estivesse arruinando sua comedida vida financeira afundando-se em dívidas crescentes multiplicadas por complexas operações de juros compostos. Teve que aprender o exercício diário de engolir a seco os próprios conselhos e aceitar o temível fracasso com a desculpa fajuta de um acaso inesperado. Acabou admitindo predileção sem critério claro, fez concessões julgando-se cronicamente culpada. A jovem estava em meio ao mais completo e terrível desequilíbrio.
Luísa só não esperava ter de admitir a contravenção. Burlou os horários, adulterou documentos, perdeu compromissos que tempos atrás jamais admitiria, criou esconderijos, aceitou o perigo e ligou mesmo quando já era tarde e não tinha nada de novo para dizer. Faltava só ameaçar com gentilezas e invadir a privacidade alheia.
Pronto. Agora, já não faltava mais.
Por fim, restou a brincadeira do populismo. Um pouco de atenção e um abraço já eram suficientes para fazê-la esquecer dos lastimáveis problemas do planeta. A fome na África não era maior que o seu desejo de dividir o mesmo saquinho de pipoca no cinema. O aquecimento global nem de longe a preocupava mais do que compreender porque os olhos dele eram capazes de produzir labaredas tão incendiárias em sua rotina monótona. No momento em que estivessem juntos, o Oriente Médio poderia entrar em guerra e o preço do barril de petróleo disparar no mercado internacional que nada seria mais caro do que o direito a um passeio a pé com ele, no fim de tarde, pela cidade calma e sem a fumaça dos barulhentos automóveis. Nenhum debate no congresso capaz de mudar os rumos da nação teria maior prioridade do que terminar uma discussão e corrigir a aspereza da palavra desmedida dita em uma hora de raiva.
Mas os pensamentos de Luísa ainda não foram totalmente revelados. A outra metade do seu amor reserva mais surpresas controversas.
Era censura...
Era censura...
“- Veja bem o que você vai dizer.
- É melhor nem continuar. Você não sabe o que está falando. Um absurdo sem tamanho!”
E também ditadura...
“- É melhor você não fazer isso ou vai se arrepender.
- Não, eu já falei que não. Francamente.”
Luísa estava sem saída. Seu amor era tão imperfeito que se sentiria recriminada quando o confessasse publicamente. Os contos de fadas ainda eram fortes demais no imaginário coletivo para entenderem os argumentos de uma menina de vinte e poucos anos. O mundo era hipócrita o suficiente para rejeitar sumariamente a sua sinceridade. Por medo, decidiu viver o amor em segredo. Reacionário, de tanto silêncio.