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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Nem princesa, nem espelho mágico.

    

Pablo Picasso, Moça Diante do Espelho, 1932

     As palavras não me pertencem. Apenas sorriram para mim e eu me entreguei a elas. Sempre gostei do poder de arrancá-las do silêncio. Hoje, vivo de tecer metáforas para não entristecer. É um jeito próprio de ser solidão. Talvez por acreditar que só nos sentiremos verdadeiramente acompanhados quando nos soubermos sós. A contradição está apenas na aparência. O aprendizado consiste na difícil tarefa de não ser alvo de idealizações ou carências alheias, nem se deixar banalizar ou perder de si mesmo.
    De resto, nada me ouve, nada me acompanha, nada vejo. Estou cansada do óbvio que não exige esforço. Tudo que sobra em mim é ausência, questões existenciais que não deixam o poeta descansar.
     É sempre uma incongruência, uma dificuldade em adaptar-me às estruturas da superfície. Riso contido, canção dissonante, mão que tateia antes de possuir, medo de pequenas causas, necessidade maior de tempo para assimilar a vida. Dor que não se localiza, mas arde lentamente em processo de catarse.
     Queria apenas o direito de ficar diante do espelho imaginário de Picasso sem pressa de voltar ao ofício das representações sociais, de lamentar-me sem maiores explicações. Sem muita necessidade de dizer a razão do choro, das noites de pouco sono e poder deixar as malas que estragam o prazer da viagem por algum canto.
     Dizem por aí que o poeta anda mudo. A poesia perdeu a graça e o discurso ficou mais triste que a fala.
     É sempre mais difícil se ver fora da imagem projetada no espelho. A cara de sempre já não me agrada mais.