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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Devaneios insones- O Indizível (Parte II)

     Exatos 9 dias desde que Luísa viu Theo pela última vez. Ele ficou há alguns metros de distância e certamente nem percebeu como tinha sido alvo da atenção dela a noite inteira. Ela, por sua vez, sabia dizer detalhes minuciosos da camiseta que ele vestia, do aspecto da barba por fazer, do cabelo com um charmoso ar despenteado, da falha na sobrancelha, da maneira como gesticulava com a mão contando histórias para os amigos, do símbolo do time de futebol estampado no chaveiro do carro.
     Luísa sempre foi obsessivamente minuciosa. Via os homens como quem escreve uma crônica. Reparava, conferia e depois relia tudo novamente como se estivesse revisando uma narrativa para publicação. A vida para ela dependia de incessantes contextualizações. A busca de sentido era praticamente um imperativo categórico. Precisava responder se era para hoje, se já estava pronto, se a chuva serviria de desculpa para entrar, se podia ficar até mais tarde, se a brincadeira era uma indireta ou se o colo significava cafuné.
     Ela havia mudado relativamente pouco nos últimos anos. Suas mãos ainda continuavam trêmulas da mesma forma que na época em que sua mãe a deixava na porta da escola. Já Theo era o oposto. Rapaz falante, seguro e bem-humorado. Quanto à Luísa, chamava atenção que ela passara a grifar menos os trechos que julgava marcantes nos livros que lia. Ela se defendia dizendo não se tratar de insensibilidade. Continuava tão emotiva quanto antes, só que, ultimamente, admitia estar apenas se surpreendendo menos. Tinha finalmente adquirido um jeito mais calmo de passear pelas frases, de apreciar as entrelinhas, o contorno das letras e a musicalidade das palavras.
     Já a timidez de Luísa continuava incorrigível. Era uma espécie de relógio analógico que a fazia chegar sempre atrasada e ficar escutando o ranger da porta se fechando lentamente com ela de fora. O fato é que o amor só a alcançava quando o templo já estava em ruínas. Seu coração era castelo pomposo sem rei, terreno baldio, correspondência devolvida sem antes cumprir o papel de amenizar a solidão da resignada remetente.
     Esquecer era um verbo pouco provável em sua vida. Para não viver demasiadamente amargurada em possibilidades irreais costurava bordados sobrepostos às desilusões e os escondia em baús de segredos invioláveis. Todos concordavam que duas sessões de cinema uma vez por mês e uma vida sem revelo era muito pouco para alguém ainda tão jovem.
     Theo representava para Luísa um Olímpico, o primeiro namorado da famosa protagonista clariceana em “A Hora da Estrela”. Theo tinha o poder de fazer Luísa ficar grávida de futuro. Com ele vinha o duelo entre a juventude ingênua de uma doce Macabéa atravessando a avenida da morte em busca do amor anunciado pela cartomante e a mulher contemporânea-problemática prestes a entrar em crise nos lugares mais improváveis.
     Só não queira cobrar maiores explicações da pobre menina. Luísa ainda não sabia dizer, só sabia sentir.

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