Luísa insistia em pensar em finitudes ao abrir a janela. O “felizes para sempre” soava agressivamente falso. Era como se estivesse sendo passada para trás como nos livros e filmes açucarados de sua adolescência. Agora aprendera a viver como uma leitora compulsiva que só começa a leitura de um livro depois de ir direto para a última página. Só depois de conhecer os desfechos das histórias volta para a página inicial e se sente completamente segura para começar a devorá-las.
Luísa tinha tantos medos que aceitou a repartição pública como metáfora da vida. Batia ponto diariamente com o mesmo entusiasmo com que programava o roteiro para o feriado. Os créditos finais do filme eram sempre mais interessantes que o beijo cinematográfico do último sucesso do cinema. Fazer novas amizades era como antever a despedida não planejada. Beber, por sua vez, não compensava porque no primeiro gole já podia sentir a ressaca arrependida da manhã seguinte. A paixão doce pelo garoto da escola dava lugar à aspereza da imagem dele assinando os papéis do divórcio e comprando uma passagem para o exterior. De modo dramático, a abandonada Luísa se imaginava com seu inglês medíocre sentada sozinha no sofá. Ela e o vazio gigantesco e contraditório de seu apertado quarto e sala. Por fim, decidiu se afastar da companhia das pessoas para não ter que iniciar nada que já estivesse fadado a acabar. E assim viveu por um longo tempo, sem nada começar.
Ocupava-se somente em secar as lágrimas enquanto escolhia a dedo em seu arquivo pessoal as letras mais melancólicas de Chico Buarque. Trancada no quarto não havia porque temer a cafonice. Ela sentia sua alma triste traduzida nos versos de “Carolina”, composição de Chico Buarque eternizada na interpretação de Caetano Veloso.
“O tempo passou na janela
Só Carolina não viu...”
Talvez ainda haja um jeito de consolar Luísa de forma que suas olheiras não sejam tão definitivas como se costuma imaginar. Quem sabe o seu lamento não seja uma desistência completa e sua história tenha contornos mais felizes que o famoso samba da MPB. Quem sabe ela, novamente debruçada na janela, repare em outros detalhes, eleja outras cenas e até ameace um discreto sorriso para si mesma.
[Tecla SAP: Flashforward é uma técnica utilizada no cinema e na literatura que consiste em interromper a seqüência cronológica de uma narrativa ao intercalar eventos ocorridos num momento futuro como, por exemplo, quando num filme uma cena revela parcialmente algo que ainda vai acontecer.]
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