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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Médicos: Frágeis deuses de pés de barro.

     Qual a distância entre a intenção e o gesto? E do discurso à prática? Juízos demais ou juízos de menos?
     Sou movida mais por perguntas do que por respostas. Certezas demais paralisam e emburrecem... O que não quero é essa estranheza de viver em terra de cegos que se julgam reis.
     “Quanto maior a armadura, mais frágil o ser que a habita”. Essa foi a colocação mais sábia que eu ouvi à beira de um leito até o momento. E ele era apenas um paciente frágil, debilitado, deitado numa cama fria de hospital. Falava-me do atendimento que recebera do residente antes de eu entrar para conversarmos. “Aquele moço parece ter tudo para ser um bom médico, só lhe falta o essencial...”, completou com voz séria e enfática.
     A anamnese planejada já não tinha mais importância naquela hora e mereceu ser adiada. Saí do quarto com um traço de vergonha de mim e do pouco que julgava saber até então. Nunca o caminho de volta para casa fora tão demorado. Mas também nunca tão proveitoso. O pior (ou melhor?) era dar conta de tudo aquilo que aquela frase havia provocado em mim.
     “Quanto maior a armadura, mais frágil o ser que a habita”, a frase curta e cheia de significado e poesia insistia em produzir ecos que me incomodavam. A sensação que eu tinha era de que a partir daquele dia tudo precisava ser diferente. Talvez por entender que seria cada vez mais difícil não me render ao insidioso processo de embrutecimento que insistia em me rondar pelos corredores de um hospital. 
     O canteiro de flores coloridas visto diariamente pela manhã à beira do caminho não pode ser incapaz de sensibilizar olhares que pretendem desenvolver complexas habilidades de observação clínica. Ainda sofro ao ouvir as repetitivas falas dos sarcásticos de plantão, em suas críticas ácidas, dizendo implicitamente que nunca têm tempo para “sentimentalismos” e “utopias”.
     Uma pena! Quem sabe, um dia, ainda descubramos que a competência almejada não é um caminho de durezas. Aliás, nunca foi. Nunca será. Nem tenhamos que assumir o triste diagnóstico pessoal de Fernando Pessoa no poema "Tabacaria":
 
“Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pregada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.”

      Por isso, continuo irremediavelmente preferindo versos que poetizam um ideal e cantarolam uma esperança, ainda tão essenciais...