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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O olhar de Scliar e a medicina

     Os últimos domingos têm sido mais sombrios que o comum. Nesse, ao ler o jornal pela manhã, deparei-me com a triste notícia do falecimento do escritor gaúcho Moacyr Scliar.
     A morte parece ter a capacidade de nos fazer sentir em absoluto estado de desamparo. É uma solidão irremediável que desata o fio da memória.
     Recordo-me como Scliar foi decisivo na minha escolha pela medicina. Conheci sua obra lendo “A face oculta”. Um livro com uma coletânea de quase 500 crônicas veiculadas na imprensa na década de 90 em que os bastidores da prática médica são narrados com uma verdade crua, um humor leve e uma poesia sutil capazes de deixar encantado qualquer jovem indeciso quanto ao futuro profissional. Comigo, não foi diferente. 
     O escritor-médico esteve comigo no cursinho. Repousava serenamente sobre a minha mesinha de cabeceira quando, à noite, visitava-me alimentando meu sonho distante. Era como se a leitura descompromissada valesse por uma sessão de massagem. Uma espécie de convite ao corpo para descansar das monótonas horas de estudo. Ele também esteve presente no meu primeiro ano de faculdade me ajudando a acalmar meus dilemas e a cumprir meu doloroso e particular ritual de passagem pela anatomia. 
     Em 2008, tive o prazer de vê-lo em Uberlândia na 1ª Festa Literária da cidade. Falava do seu livro o “Mistério da Casa Verde”, uma belíssima releitura de “O Alienista” de Machado de Assis. Conversava sobre sua arte como algo trivial enquanto eu, na ponta dos pés, o via lá do fundo da sala sem estar totalmente ciente do quanto vivenciava um momento raro. Naquele instante, me peguei novamente divagando sobre a possibilidade de conciliar os rumos da medicina com a poesia, ambas em passos iniciantes.
     Ainda bem que o autor tem o poder de aliviar a saudade dos leitores pelo atemporalidade de sua obra. Consolo-me relendo a frase que, um dia, ajudou-me a encaminhar minha escolha profissional: 

“... a medicina não é uma profissão. É uma forma de viver, à qual não se chega sem uma profunda transformação pessoal; sem dolorosos, mas salutares, ritos de iniciação.”
Conto “Rito de iniciação”, extraído do livro “ A face oculta”, 2001, p.22


     Fica aqui o convite para conhecê-lo melhor. Aos que já o conhecem que revisitem sua obra.

3 comentários:

Diângeli Soares disse...

Bacana sua história com o Scliar.
Eu tenho uma história com esse livro que foi uma longa e infelizmente inutil peregrinação para encontrá-lo sem nunca conseguir. Acabei desistindo :-( Mas quem sabe agora não é mesmo?
Grande Abraço

Patrícia disse...

Que bom te ver por aqui, Diângeli!

Obrigada pela visita. Obrigada também por dividir sua experiência nesse espaço.

Recomendo mesmo uma nova tentativa de encontrar o livro. Vale a pena.
O Scliar é um exímio cronista, muito apropriado para aqueles momentos de ócio, de pausa para tomar um fôlego... Acho que isso até me lembra uma conversa bem bacana que tivemos no seu blog(hehehehe!).
Caso você queira, é possível encontrar gratuitamente o livro no formato e-book. Mas eu confesso que ainda prefiro a experiência de poder folhear o livro. Nesse ponto, sou totalmente analógica(hahahahah!)

Grande abraço e continuemos nossas visitas-leituras.

Diângeli Soares disse...

Oie Patrícia!

Eu também não sou boa com ebooks, não acho graça mesmo. Talvez, se um Ipad caisse do céu no meu colo, eu conseguiria ler "coisas no computador". Mas vou olhar pra cima com mais frequencia, quem sabe não acontece :-)

Beijão